A compra do BankBoston pelo Itaú começou, de fato, no final de 2003, quando o Bank of America concluiu o processo de compra do FleetBoston. Pouco tempo depois, o CEO do BofA, Ken Lewis, solicitou ao presidente do Boston no Brasil, Geraldo Carbone, que lhe apresentasse sugestões sobre como o maior banco de varejo norte-americano poderia se tornar grande também no Brasil. Mais: no segmento varejo, área em que o BankBoston não tinha presença forte.
Meses depois, Lewis ouviu de Carbone três propostas: 1) a compra do Unibanco; 2) a aquisição pelo BofA das operações globais do Santander ou do ABN Amro - assunto que havia sido cogitado algum tempo antes na matriz do BofA em Charlotte e que ainda aparece em rodas de conversas entre executivos do banco; 3) a participação estratégica em um grande banco doméstico, na qual o Itaú seria o principal alvo.
Nessa discussão, a compra do Unibanco, isoladamente, foi logo descartada: não seria suficiente para competir em pé de igualdade com os grandes, a média de retorno do banco não era nenhuma "Brastemp" do setor e a integração com o Boston local não mudaria muito essa realidade.
A segunda opção, obviamente, não cabia ao presidente do Boston local dar opinião. Carbone afirmou apenas que, assumindo o Banespa (Santander) ou Real (ABN), faria sentido comprar o Unibanco e, aí sim, brigar em pé de igualdade com os outros grandes.
A terceira alternativa foi a que mais interessou ao CEO do BofA. Em um "Brazil Day" promovido nos EUA, durante o jantar, Lewis foi apresentado ao presidente do Itaú, Roberto Setubal, com quem passaria a se encontrar com alguma freqüência para discutir uma possível parceria dentro de um futuro próximo. O assunto ficou em suspenso, no entanto, por conta da aquisição de uma fatia do banco chinês Construction Bank, que consumiu um demorado esforço dos principais executivos do BofA.
A partir daquele momento, apenas os executivos de extrema confiança de Setubal no Itaú (que podem ser contados nos dedos de uma única mão) e a cúpula do BofA em Charlotte passariam a acompanhar as negociações, que foram amadurecendo até a conclusão do acordo.
Um dos poucos pontos de atrito nas negociações ocorreu por conta de a direção local do BankBoston só tomar conhecimento das negociações no final de março, quando Carbone foi chamado por Lewis para ouvir dele que o anúncio oficial ocorreria dali a apenas quatro semanas.
Chocado com a notícia, Carbone questionou o fato de não ter sido avisado anteriormente e, ante a resposta de que os processos no BofA aconteciam daquele modo, retrucou que não haveria problema se não o tivessem envolvido diretamente no começo das negociações. "Não foi limpo", disse ele a Lewis, em um ambiente já carregado de alguma tensão.
Ouviria ainda do CEO do BofA que a informação não poderia ser comunicada nem à sua equipe mais próxima no Brasil. Irritado, o presidente do Boston no Brasil colocou à mesa as seguintes opções: ou o BofA o demitia ou ele voltava ao Brasil e pedia demissão de seu cargo, alegando razões pessoais. Ou, ainda, revelaria a transação aos seus assessores diretos. "Não fazia sentido eu saber que um anúncio daqueles seria feito em tão pouco tempo e eu, sabendo disso, não revelasse à minha equipe. Seria desleal", teria dito Carbone a um amigo pouco tempo após voltar de Charlotte.
Após muita discussão, ficou decidido que somente a cúpula do BankBoston no Brasil tomaria conhecimento da informação. "Como eles precisavam de alguém que conhecesse cada detalhe da operação do Boston no Brasil para acertar detalhes e fazer a transição, acharam melhor que eu ficasse mesmo com quebrando a norma habitual do banco", contou o executivo do Boston ao amigo.
Apesar desse ruído - e talvez até incentivado por ele - o trabalho de integração entre o BankBoston e o Itaú, coordenado pela McKinsey, foi feito de maneira bastante cautelosa. Partiu do próprio Setubal a determinação de que as conversas no processo de integração fossem feitas de maneira cordial, inclusive sob ameaça de que se, caso perdesse um funcionário do Boston por conta de eventuais truculências, a coisa ficaria feia para o responsável.
"Eles foram perfeitos cavalheiros", conta um alto executivo do banco envolvido na integração.